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Espiritualidade, mística e luta política

Angélica Tostes

Quando falamos de espiritualidade pensamos em que? Muitos podem pensar em práticas religiosas institucionais ou místicas, mas a espiritualidade é algo além, ela escorre conceitos estabelecidos e perpassa a vida em suas miudezas.

Quando tentamos entender o conceito de espiritualidade é preciso observar sua origem filológica, ou seja, de onde surgiu esta palavra. Espiritualidade vem do termo em latim espiritus, uma tradição do grego pneuma, que vem da tradução hebraica de ruach.

Espírito, vento, sopro de vida, são muitas as traduções que poderiam se derivar desses termos antigos e bastante encontrados nas tradições abraâmicas.

Podemos, então, falar em espiritualidades, não mais em espiritualidade no singular.

Gilbraz Aragão diz que as “tradições religiosas e filosóficas formalizam caminhos para a experiência espiritual, conforme as possibilidades e limites de cada cultura”, e ainda há aqueles e aquelas que vão forjar sua espiritualidade em outras categorias além dos conceitos da religião. Como Aragão pontua: Espiritualidade é religação com essa dimensão sagrada, profunda e sutil, de toda a realidade: em nosso interior, na natureza e na história, na face do outro.”

Esse religamento não está mais confinado nas paredes dos templos religiosos, nos antigos ritos, liturgias e doutrinas, é uma religação que conecta ao tudo e ao todo, sem intermediários nessa relação. E é plural, pode ter deuses, deusas e pode não ter, mas a espiritualidade sempre leva aquele e aquela que cultiva essa experiência para um lugar de conexão com seu próximo, seres humanos e natureza.

A mística é marcada pelo despertar para a consciência interior, para a realidade última das coisas. Muitos se enganam ao pensar que a mística é um escapismo da realidade, muito pelo contrário, a trajetória dos místicos e místicas, de diversas tradições religiosas, nos mostra que essa vivência possibilita uma visão única da vida a partir de uma imersão no interior.

A espiritualidade e a mística são estados de abertura da visão, com olhos abertos para o mundo, compreendendo a realidade e suas ambiguidades, para então, transformá-la. Dessa forma, como já salientado, podemos ter experiências místicas não religiosas.

Uma mística que é enraizada não em um Deus que está fora de alguma maneira, mas no próprio mundo, atuando na mudança, como o que Michael Lowy traz acerca da mística de José Carlos Mariátegui, o revolucionário peruano que escreveu muito a palavra mística em seus escritos, e nela, trazia a concepção de uma ética e espiritualidade da luta, da revolução.

Assim como, Lowy, aponta que há outras tantas místicas que partem da revolução, se misturam com a religiosidade popular dos territórios, sejam elas cristãs ou não, e resistem, como a trajetória de “Camilo Torres, a teologia da libertação e a participação dos cristãos nos movimentos revolucionários da América Latina, como o sandinismo nicaraguense assim como a “mística revolucionária” de movimentos político-sociais como o MST brasileiro ou o EZLN de Chiapas”.

Ainda sobre os movimentos latino-americanos e sua relação entre espiritualidade e mística, é importante retomar o citado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a relação com a fé. A ligação umbilical entre as lutas do cristianismo popular e o MST constitui órgão vital para as referências, simbologias e práticas de origem cristã dentro do Movimento. Nesse sentido, é difícil definirmos aqui o que seria a “mística” que envolve todas as ações do MST – seja no início de uma reunião, de uma assembleia, nos espaços de formação e nas ocupações. A mística, como momento, é uma lembrança cotidiana e concreta que alimenta a luta e faz compreender o motivo dessa luta, se abastece da história, da arte e cultura do nosso povo, mas não se trata apenas de um momento específico; ela envolve todas as ações do MST – está presente nos símbolos, na construção estética, nos valores, nos alimentos plantados, colhidos e compartilhados.

A mística do MST se mistura com as místicas das espiritualidades dos companheiros e companheiras que constroem o movimento. Atiliana Brunetto, da direção nacional do MST, pontua a relação da mística religiosa e o povo: “Essa fé vai me fazer acreditar nas potencialidades da minha capacidade e que não estou sozinha. Faz acreditar mais nas pessoas – eu, acreditar em mim mesma e é muito além de um modelo único de ser, mas respeitando todos os processos das pessoas. Ela não me torna individual, me torna um ser coletivo que necessita dos outros para sobreviver.”

Que a Espiritualidade e Mística Revolucionária esteja presente em nosso coração para transformar a sociedade e lutar contra toda a forma de opressão em nosso meio. Uma mística que se junta a tantas outras místicas, religiosas ou não, para que a dignidade para todos e todas reine no aqui e agora.

ARAGÃO, Gilbraz. Transreligiosidade. RIBEIRO, C.; ARAGÃO, G.; PANASIEWICZ, R. Dicionário do Pluralismo Religioso; São Paulo: Editora Recriar, p. 292.

LOWY, M., 2005. Mística revolucionária: José Carlos Mariátegui e a religião. Estudos avançados, 19, pp.105-116.

Angélica Tostes é Teóloga, mestra em Ciências da Religião, professora e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Coordenadora auxiliar de cursos no CESEEP – angelicatostes@gmail.com

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