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Uma mística que brota da comunhão

E chegamos a um último passo nessa reflexão sobre o tema do III ENJEL – Saberes, sabores e lutas: territórios do Bem-Viver – que não pretende ser último em caminhada, mas parte do que vamos trilhando juntas, juntos e juntes.

O Bem Viver se desdobra em uma mística. É uma mística que tudo integra, na qual a espiritualidade e a economia estão entrelaçadas e inseparáveis. Ao resgatarmos a centralidade dos vínculos originários, estamos retomando nossa união com a mãe Terra.

O Bem Viver resgata em cada um de nós uma espiritualidade profunda, integral. Nos oferece – como um presente desejado e, ao mesmo tempo, já conhecido -, o sentido de pertença a Terra, à natureza, ao universo, à vida, ao Espírito Criador. É uma experiência eco-espiritual que nos ajuda a deixar de considerar o ser humano como centro e amplifica nosso olhar, englobando todo o cosmos e nos entendendo como parte do mesmo. Chamamos essa espiritualidade integradora de mística, pois “nela há uma força que constrói a integração com as lutas por justiça, fraternidade, dignidade, paz e vida plena. É nessa força que podemos também identificar uma nova semeadura, uma vida que emerge revolucionária, brotando de um chão aparentemente árido: a força da espiritualidade.” (BOFF e MIRANDA, 2018, p. 11)

Essa cosmovisão que dinamiza todas as escolhas, passos e gestos, funda práticas de reciprocidade, de solidariedade, de não acumulação, de convivência fraterna e zelosa com tudo e com todos. Por isso mesmo chamamos essa cosmovisão de verdadeira mística, pois, através desse enraizamento, tudo necessita se reorganizar em nosso entorno.

  • Se reconhecemos uns aos outros como irmãos, como devemos olhar, perceber, cuidar, de cada pessoa que habita esse chão comum?
  • Se reconhecemos que tudo está interligado, como nos alimentamos?
  • O que consumimos? Como descartamos o que não consumimos?
  • O que orienta nossas escolhas cotidianas?

São questões que brotam de dentro para fora, elas convocam, são como vozes interiores que dialogam com nossa consciência, com nossa sensibilidade, com as necessidades que percebemos nas pessoas e no ambiente. É um novo jeito de se movimentar no dia a dia, que nos reconduz também a uma espiritualidade integral, a uma verdadeira mística.

Estamos diante de uma temática tão instigante e relevante que não há como chegarmos a conclusões, pois ela aponta o caminho, ele está adiante. O Bem Viver tem uma dupla dimensão no momento atual, ele é resgate e fonte, mas também desconstrução e novas construções.

Aquino Júnior nos diz que é uma tarefa, com uma dimensão crítica e uma dimensão criativa. (AQUINO, 2020 )

O modelo desenvolvimentista apresenta duas grandes falhas: conceber que os recursos da terra são inesgotáveis e permitir que uma pequena porção da humanidade acumule as riquezas produzidas com o trabalho, o sofrimento e a morte de milhões de outros seres humanos. (BONIN, 2015) Diante desse sistema que gera tamanhas injustiças e desigualdades, os princípios do Bem Viver nos fazem repensar todo esse modelo e modificar nossas relações, cultivando relações de reciprocidade, respeito e valorização de todas as formas de vida.

Portanto, o Bem Viver chama a atenção para o lugar onde estamos e para onde desejamos ir. Não se trata de imaginação ou fantasia, ao contrário, o importante é compreender os fundamentos e perceber onde estamos traindo esses fundamentos e por onde podemos caminhar para rever estruturas, práticas, filosofias, inspirações, propostas sociais, políticas, econômicas, ambientais, espirituais.

Acreditamos que sempre podemos retomar os caminhos originários, pois eles possuem a sabedoria fontal e, por isso mesmo, são potentes e revolucionários em sua força primária. Essa força está em cada ser, em cada um de nós, mesmo que já tão dispersos e distraídos por outros valores que nos fizeram crer que seriam bons para todos, ou para alguns.

Nesse dinamismo em que a vida nos convoca a sermos mais comunhão e menos ruptura, pouco a pouco, está penetrando uma nova visão na consciência latinoamericana e, ao vislumbrá-la e aceitá-la, nos permitimos reinventar o sentido da vida a partir deste novo olhar. Daqui nos chega a esperança e também uma ética de responsabilidade comunitária, com o presente e o futuro. Uma ética que reverencia a sabedoria ancestral e fontal e, nessa fonte pura, se deixa nutrir por essa água que tudo pode renovar e retroalimentar.

Através dessa sabedoria fecunda e inspiradora, estamos convocados a nos compreendermos, mais uma vez, como filhos e filhas da Terra.

É uma relação filial, amorosa que necessita ser resgatada para que daí nasça um novo ser, com novas escolhas radicais, fundamentais e transformadoras.

Não se trata, portanto, de uma realização imediata de uma ruptura, mas da retomada de um horizonte que recupera a aliança pela preservação da vida no nosso chão comum.

Rosemary Fernandes da Costa e Eduardo Brasileiro, O Bem Viver: caminho para uma mística libertadora. In: GUIMARÃES, E., SBARDELOTTI, E. e BARROS, M. 50 anos de Teologias da Libertação. Memória, revisão, perspectivas e desafios. São Paulo: Recriar, 2022

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