Estamos já caminhando para nosso III ENJEL e, para isso, será maravilhoso se já vamos colocando nossos pés, nossos olhares, nossos corações, nosso ser inteiro, na direção dos Territórios do Bem Viver. Vamos caminhar devagar, mas plantando nossos pés no chão que nos enraiza e convoca. Nesta primeira reflexão, vamos pensar no que nos motiva, no que colocam os nosso pés, nosso coração, nossas escolhas, nossas crenças?
Na sabedoria dos povos originários o Bem Viver não é uma alternativa social, econômica ou política, é a própria forma de ser e estar no mundo. É ser na relação, é ser com todos os seres, com todo o cosmos, com o passado, o presente e o futuro, com a terra e toda a sua ancestralidade e memória fecunda. É uma experiência de fundamentos, de enraizamento, que se manifesta como constitutiva de cada ser humano.
Nessa sabedoria sagrada tudo está interligado, se comunica, se relaciona. Apartados que fomos dessa relação fundamental, uma das formas de nos reaproximarmos é dialogar profundamente com quem nunca se separou – com as comunidades indígenas, com as comunidades quilombolas, com os povos originários. Façamos, portanto, um exercício de nos colocarmos em outro lugar: em um lugar no qual a sua casa é também a casa de todos, em uma aldeia, onde tudo está cercado de plantas, animais, terra, pedras, água, seres espirituais. Neste recanto, os dias são preciosos e você pode caminhar, tocar nas plantas, acompanhar os animais e contemplar tudo em volta em plena harmonia.
Este é o paradigma no qual o Bem Viver é vida e não proposta. É um horizonte, uma relação
que configura um modo de viver. Pode ser entendida como uma ação de viver em harmonia e reciprocidade com todos os seres, com as forças espirituais, com a natureza em suas manifestações e consigo mesmo como ser comunitário. Resulta em reverenciar as forças naturais que regem todo o universo, sem dividi-las ou classificá-las de forma hierárquica. Dessa forma, todas as relações são uma grande composição, uma única melodia, sejam as pessoas, as plantas, o mundo físico, o mundo espiritual, o tempo e o espaço. Tudo é parte de um todo que é dinâmico e comunitário.
Por isso chamamos a atenção para o fato de que o Bem Viver é um princípio que dinamiza a vida. As escolhas, os gestos, as relações, as decisões, tudo brota deste princípio, ele rege e orienta tudo e todos. Não é algo acrescentável, como uma decisão externa que se inclui ou exclui. É a própria relação integradora, já presente, que ilumina cada passo. Na linguagem teológica, é a imanência e a transcendência em integração plena, em um diálogo simétrico e incessante. A vida é abundante em si mesma, e o que é preciso para manter esse estado de plenitude é sintonizar e reverenciar todos os seres e fenômenos físicos e espirituais. É a vida como um bem maior, como uma sabedoria para além da vida presente ou de nossa compreensão. Se entramos em harmonia com esse bem maior, tudo fica bem e, se algo rompe com esta harmonia, será também em comunhão que encontraremos os caminhos de restauração.
Enquanto princípio, ele nos convida à humildade, a nos percebermos e a nos firmarmos como húmus, e a nos apoiarmos na sabedoria dos povos e comunidades que bebem nessa fonte. Com nossas vidas podemos contribuir para retomarmos esse sonho comum, sensíveis e conscientes de que participamos de um organismo maior, latente e potente, e com ele vivemos, nos movemos e existimos.
Rosemary Fernandes da Costa e Eduardo Brasileiro, O Bem Viver: caminho para uma mística libertadora. nIn: GUIMARÃES, E., SBARDELOTTI, E. e BARROS, M. 50 anos de Teologias da Libertação. Memória, revisão, perspectivas e desafios. São Paulo: Recriar, 2022