JUVENTUDES PROTAGONISTAS: por uma economia solidária

Reinaldo de Miranda Neves*

Preparei este artigo a partir das experiências que fizemos ao longo do ano de 2020 interagindo em nossas comunidades do bairro de Cavalcanti, zona norte do subúrbio carioca. Observamos a realidade a partir de três principais valores na relação de obtenção, captação, disponibilização de recursos para garantir o bem estar dos moradores e o impacto que isso causou bairro.

Criativas formas de interagir e relacionar a dimensão da economia no dia a dia do povo, pensar modelos diferentes, estabelecer relações econômicas diferentes nos territórios são fundamentais. Este artigo deseja colaborar com a nossa busca de uma economia mais solidária e concreta no chão da vida.

Usando como ponto de partida as ideias lançadas pelo Papa Francisco propondo refazer nossas relações econômicas, desde sua Carta Encíclica Laudato Si’ aos preparativos para o encontro da Economia de Clara e Francisco em 2020, buscamos uma conversão radical, profunda feita de dentro para fora. Essas ideias nos provocaram a pensar durante todo período da pandemia do Covid-19 encaixes diferentes, iniciativas sobre como estabelecer uma relação econômica mais humana que ponha a vida de todos acima do lucro de alguns.

Reuni nessa tarefa, jovens do bairro a fim de organizarmos ema ação solidária aos moradores, às comunidades locais, ao nosso próprio bairro como espaço comum para minimizar e enfrentar as grandes dificuldades sanitárias e econômicas que caíram sobre todos nesse período de maior impacto e crise. Organizamos então uma frente de moradores para promoção de ações de proteção, observando nosso território, nossas comunidades e os principais desafios do bairro.

ENSAIANDO VALORES PARA OBTENÇÃO E UTILIZAÇÃO DE RECURSOS

Pensar em uma nova relação econômica que supere as forças da indiferença, do próprio individualismo como resultado de uma economia que valoriza e reforça o egoísmo, é um grande desafio e desde é, desde o início esbarrou em nossa caminhada. O individualismo é uma força que retira a economia do serviço à vida, por isso precisamos entender que somos sujeitos transformadores da realidade, e que a política e a economia são ferramentas que devem estar a serviço da vida.

Para construir uma economia solidária necessariamente foi relevante vivermos a experiência da partilha como um princípio fundamental. A força do “partilhar” já existe entre os moradores e quando trabalhada como valor, nos ajudou a superar o individualismo. A partir desse princípio, foi possível romper com atitudes internas e externas de acumulação, com atitudes egoístas e também compreender que não existimos isolados.

Nessa linha de uma economia que esteja a serviço da vida, não podemos limitar as relações econômicas pensando somente na vida humana, mas alcançar a vida de toda a criação, num verdadeiro entendimento na direção da economia a serviço do equilíbrio dos ecossistemas. Desejamos assim, lançar um olhar para o cosmos, para toda criação feita por Deus, e entender que a gente precisa participar de forma responsável com tudo que foi criado, “cultivar e guardar a criação” segundo o Papa Francisco na carta Laudato Si’ item 65.

Outro grande desafio encontrado no território foi o traço cultural de competição, que impede a articulação comunitária. O egoísmo competitivo coloca os semelhantes em oposição, criando disputas vazias que dificultam o crescimento e mobilização de pautas comuns.

Para superar essa lógica, nos apoiamos na própria comunidade. Estruturamos os espaços, as lideranças, o que o território poderia oferecer, despertando as potências e valorizando as colaborações de cada um, mesmo as pequenas, pois o importante é valorizar aquilo que foi partilhado e, assim, demonstrar para cada morador os benefícios de um processo cooperativo.

Dessa forma alcançamos uma dinâmica comunitária de colaboração: “Todo mundo ganha quando a gente se organiza”, o trabalho de rede fortalece cada estrutura e, realizamos na vida concreta, uma relação econômica colaborativa.

Chegamos em outro ponto chave que deve ser trabalhado como espinha dorsal de uma experiência de economia solidária, que consiste em garantir a dignidade da vida acima do lucro e da concentração. Não é razoável uma economia egoísta em que uns concentram muito e outros morrem de fome. Perde-se a referência de humanidade. A economia deve ser ferramenta que construa em todos os seus caminhos a dignidade para que todos tenham acesso a recursos básicos.

Toda criação é expressão de Deus, sendo assim é conferida a tudo que foi criado uma dignidade infinita que deve ser respeitada, contemplada e protegida. Essa mesma dignidade gera sentimentos de gratidão à vida e uma relação de compromisso e responsabilidade com todos. Dessa forma, nos aproximamos da ideia geral de que tudo está intimamente interligado, toda criação está interligada, como o Papa Francisco bem resume na Laudato Si’.

Concluindo essa etapa…

Por fim, aqueles que sabem escutar os clamores dos pobres, os clamores da terra, que sabem fazer a leitura desses verdadeiros sinais dos tempos, conseguem traduzir e dar uma resposta solidária, uma resposta comunitária a essa profunda desigualdade a que o sistema capitalista nos tem levado, e que a pandemia expõe com brutalidade. Estamos sobre a mesma tempestade que o vírus trouxe. Alguns estão em confortáveis navios, outros em barquinhos e outras estão à deriva no oceano.

Uma grande experiência de economia solidária está exemplificada no livro de Atos dos Apóstolos 2, 42-47. O relato conta que colocavam tudo em comum, para que cada um tivesse o necessário para se estabelecer com dignidade. Naquela comunidade de Atos, tudo era partilhado de forma colaborativa, para que todos tivessem vida digna.

Um modelo comunitário, colaborativo, partilhado de economia não vai nascer da noite para o dia. Ele deve ser fruto de muitas experiências e ensaios, tal como uma grande peça de teatro que precisa ser ensaiada. Vivemos nesse momento, ensaios, trocas de experiências é fundamental para mais à frente na história a humanidade avançar nesse sentido. O passo de formiguinha gera as mudanças globais. A chave para uma economia que sirva a vida é a comunidade.

“Tú no puedes comprar el viento, Tú no puedes comprar el soln Tú no puedes comprar la lluvia, Tú no puedes comprar el calor

Tú no puedes comprar las nubes,Tú no puedes comprar los coloresn Tú no puedes comprar mi alegría Tú no puedes comprar mis DoloresnNo puedes comprar mi vida, Mi tierra no se vende”

(CALE 13, 2010) ,[1]

[1] CALLE 13. Latinoamérica. Disponível em < https://youtu.be/4TeshUpfml4 > acesso em: 15 nov. 2020.

*Reinaldo é uma das abelhas de nossa Colmeia, o MEL – é bacharel em ciências, letras e direito, Conselheiro Tutelar do município do Rio de Janeiro mandato 2020 – 2023, Coordenador Pastoral da Paróquia Apóstolo São Pedro em Cavalcanti RJ e membro da coordenação do Movimento de Juventudes e Espiritualidade Libertadora (MEL).

Este artigo está publicado na Revista CREativiadade, da PUC-Rio, 2021/1.

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